Identificador
16/02/2005 [IDENTIFICADOR]
O espaço da rotina é aquele que precisa de mais cuidado. Quando a percepção da rotina do outro se transforma na sua própria rotina de pesquisa, as coincidências e trocas começam a traçar um sistema espacial complexo. Nesse sistema, onde um e outro acabam por se encontrar, a dualidade realidade e ficção torna-se um trânsito, uma transposição dinâmica mútua, necessária à sobrevivência do real.
No edifício da Cemig, durante seis meses, cada dia de visita intrusa é único, apesar de prometer o contrário: as placas, as regras, os horários, os códigos de identificação, a repetição. Um edifício de 28 andares com 10.271 funcionários e 6.009.987 consumidores. Alguns funcionários talvez nunca tenham se encontrado nesse lugar vertical, arquitetura de números intransponíveis, obsessivo empilhamento de localgramas.
10/03/2005 [COPINHA]
De perto, o edifício é um sistema de geração, transmissão e distribuição de energia humana. 24 dos 28 andares possuem uma pequena lanchonete no corredor. Como uma coluna vertebral, esses refeitórios e suas respectivas copeiras foram dispostos uns sobre os outros, andar sobre andar, no longo edifício. Todos os refeitórios têm à disposição telefone interno e 3 garrafas térmicas − café doce, café amargo e água quente − e vendem muitas calorias. Em todos os balcões há uma fruteira com maçãs e bananas encapsuladas em plásticos assépticos: uma imagem miragem de natureza-morta.
Num encontro inesperado na copinha do 19° andar, fico sabendo que o edifício foi construído sobre um lençol freático explorado por um poço e acessível através do nível do jardim: água potável suspendida dos subterrâneos até o jardim suspenso, no 5° pavimento. A água e o alimento são fontes geradoras de energia: começo a escrever uma escala numérica de VALOR ENERGÉTICO e VALOR CALÓRICO, protótipo de cardápio.
04/04/2005 [OVOSCOPIO]
Um deslocamento: no Mercado Central de Belo Horizonte, uma experiência elétrica. O ovo caipira, ao contrário do ovo de granja, é galado. A partir de um interruptor, faz-se a luz dentro de uma caixa e dá-se a ovoscopia. O ovoscópio serve para esquadrinhar os ovos, descobrindo os seus defeitos internos e selecionando aqueles que não goraram.
09/05/2005 [FELIZ ANIVERSÁRIO]
É prática comum na empresa a comemoração mensal, por setor, dos aniversários: 22 de agosto, feliz aniversário para Antônio, 5° andar. 23 de agosto, feliz aniversário para Fátima, 6° andar. 31 de agosto, feliz aniversário para Maria Lúcia, 13° andar. Consegui a listagem, dentre os funcionários, dos aniversariantes do dia 18 de setembro. Rotinas que subitamente podem coincidir com a minha: Nydia, nascida em Lima, Peru, no dia 18 de setembro de 1965. Em 2005, na Galeria de Arte da CEMIG, completarei 40 anos.
Terça-feira é dia de feira livre nas proximidades da CEMIG. Mas o que acontece lá fora? É só mais uma maneira de escrever o calendário da semana. Um código gráfico. Hoje é terça-feira: um desenho vivo, um cinema na paisagem vista através dos vidros. Os lanches estão na mesa de trabalho, comprados na copinha do andar. O olhar do 20° andar é privilegiadamente vertical, “visão de pássaro”, um mero aceno à totalidade urbana míope.
12/05/2005 [COPEIRAS]
Visitando as copeiras num passeio vertical ascendente, a partir do subsolo: Maria das Graças e Daniela, Maria de Lourdes e Ana Maria, Lourdes Maria e Alexandra, Fátima, Maristela, Sueli, Viviane, Andréia, Adriane, Rosilene, Janaína, Rozilene, Patrícia, Amanda, Cristiane, Bárbara, Terezinha, Mariana, Danielle, Enilce, Luciana, Eloísa, Helenice e Natália, essas últimas copeiras da presidência da CEMIG.
Uma Maria: no andar térreo, visito Dona Maria, antiga funcionária, a única que faz ela mesma os sanduíches que vende. Os demais vêm do mesmo lugar: da cozinha do 21° andar. Quero fotografá-la, mas preciso da autorização da nutricionista, assim como preciso usar uma touca protetora.
13/05/2005 [COPINHA]
A barragem de Três Marias tem 2.700 metros de extensão e gera 396.000 kw. O município de Três Marias tem população estimada de 27 mil habitantes. Geomorfologia: 10% de formas planas, 70% de formas suaves e 20% de ondulados fortes. Uma nova geografia hidráulica, um novo sistema hidrelétrico e o conforto elétrico. Ouviremos a RÁDIO COPINHA, de Fred Pessoa, no dia 16 de setembro de 2005, a partir das 16 horas, na Galeria de Arte da CEMIG.
19/08/2005 [FELIZ ANIVERSÁRIO]
Eduardo José, Gabriela, José Cleber, Luciano, Maria Lúcia, Vanilza, Maria e Dilamar, assim como eu, nasceram no dia 18 de setembro. 8 aniversariantes, cada um deles com direito a quatro convidados. (8 x 4) + 8 = 40. FELIZ ANIVERSÁRIO! Um acontecimento para 40 pessoas, com início às 4 da tarde, na Galeria de Arte da CEMIG, comemorando os 40 anos de Nydia Negromonte. Uma ação reformadora do espaço: 6 andares com pessoas que nunca tinham se conhecido são transpostos para o térreo. 1 torta de chocolate, 8 velas. Entrelaçamento de presentes de até R$ 20,00. Várias rotinas transformadas momentaneamente numa única. Identidade e desidentificação. Novas rotinas ofertadas para todos.
02/06/2005 [DESVIO DO RIO]
Na biblioteca da CEMIG, vários deslocamentos sem sair do lugar, dentro do acervo de fotografias: a solenidade de desvio do Rio Preto para a construção da Usina do Queimado, em 2001. O apagamento da cidade, a geração de energia e a soltura de emas, redesenhos de vários territórios.
06/07/2005 [TOPÔNIMO]
Geografia hidráulica: aquela que se movimenta por meio de um líquido sob pressão. No mapa de Minas Gerais, são 40 nomes: Pedra Negra, Macaia, Ponte do Funil, Nova Ponte, Itueta, Resplendor, Chaveslândia, Paranaíguara, Peixe Cru, Três Ranchos, Braúnas, Conceição das Alagoas, Piranguçu, Ijaci, Leme do Prado, Itumirim, Ibituruna, Cristália, Botumirim, Capim Branco, São Simão, Gouvelândia, Sacramento, Itutinga, Piau, Gafanhoto, Porto Estrela, Queimado, Pai Joaquim, Emborcação, Salto Grande, Volta Grande, Sá Carvalho, Piranguçu, Sacramento, Igarapava, Rifânia, Açucena, Cabeceira Grande, Baixo Guandu.
12/07/2005 [PEIXAMENTO]
Os alevinos com 45 dias de vida livre vão para os tanques de peixamento. Ali, eles são concentrados num canto, enquanto o tanque vai se esvaziando. Passa-se em seguida a rede de arrasto e os alevinos são retirados com o auxílio de puçás, sendo imediatamente selecionados para o peixamento. Aqueles escolhidos devem ser convenientemente acondicionados para a viagem, quer seja de curto como de longo percurso. Deve-se ter o cuidado de verificar se a temperatura da nova água é igual a do viveiro de onde foram retirados.
11/08/2005 [PEIXAMENTO]
O plano era executar o PEIXAMENTO no espelho d’água do edifício. 50 sacos plásticos preenchidos com água e oxigênio para a recondução de alevinos: a sua captura, o seu transporte, a sua aclimatação e a sua soltura. O espelho d’água como um elemento arquitetônico passível de peixamento e, portanto, passível de ser enxergado num localgrama vertical subjetivo, expandido, construtor de conexões diárias.
24/08/2005 [COMPORTA]
Durante 2 dias, Marcelo Drummond captou o inventário visual de entradas e saídas através das catracas da ala B, material para o vídeo COMPORTA. Nesse ínterim, conheço Débora. Ela responde pela denominação SA09B2: SA (edifício sede), andar 09, bloco B2. Território dos códigos numéricos, cada funcionário é um número, distribuído em setores e andares. Cada funcionário-número é registrado na catraca do saguão de entrada, diariamente. O vídeo COMPORTA inverte essa ordem: exibido em modo reverso, a nova imagem retira os funcionários na hora de sua chegada e os devolve à empresa na hora da sua saída. A identidade rasura a identificação, e tal superposição confere imprecisão e inexatidão aos números, transformando-os numa imagem borrada.
30/08/2005 [COPINHA ]
A COPINHA funcionou diariamente, de 11 às 15 horas. Nessa ocasião, a observação cotidiana prévia do empilhamento de refeitórios no edifício deu lugar a uma transposição física que justapõe 24 copinhas na dinâmica de um novo lugar, finalmente institucionalizado. Em madeira, foi construída na Galeria, a partir de projeto arquitetônico de Renata Marquez e Wellington Cançado. Ali tiveram origem e execução várias ações da COPINHA no papel de distribuidora de energia comestível.
Gasto energético de 25 kcal para digitar 40 palavras por minuto, durante 10 minutos.
Gasto energético de 49 kcal para cuidar do jardim durante 10 minutos.
Gasto energético de 10 kcal para dormir durante 10 minutos.
Conservei os suprimentos e as porções na geladeira da minha casa, para transportar até o espaço expositivo.
13/09/2005 [COPINHA]
O cardápio da COPINHA construída na Galeria de Arte da CEMIG oferecia ao visitante uma lista de calorias. Gisele, a copeira da copinha migratória, recebeu ao todo 450 unidades de PORÇÃO, que deveriam ser distribuídas durante todos os 7 dias previstos para a sua atividade. Cardápio, atendente, uniforme, sinalização, o TRÍPTICO café doce, café amargo e água quente: identidades entre as 25 copinhas.
14/09/2005 [COPINHA]
Nos arredores do sistema energético da COPINHA, situava-se o que foi batizado de TRÊS MARIAS: recipientes lacrados contendo 10 mililitros de água, capazes de gerar 4 watts de energia. Precisamos de no mínimo 3 unidades de TRÊS MARIAS para que o aparelho de DVD, situado dentro da COPINHA e executando o video COMPORTA, funcione.
A PORÇÃO oferecia números impressos em alto relevo na tampa de embalagens tipo marmitex, assépticas e opacas. Aqui, o código de comunicação não é o sabor nem a forma nem a consistência do alimento, mas a especificação do seu valor energético. E os pedidos deveriam ser feitos seguindo esse código, sem a possibilidade de saber a sua correspondência interna, que é apenas uma das formas de materialização da quilocaloria.
15/09/2005 [TOPÔNIMO]
No saguão do edifício da companhia, a intervenção TOPÔNIMO: 40 placas suspensas no forro completam a sinalização existente, apontando para uma geografia extrínseca. Um desfile aéreo de nomes de 40 cidades de Minas Gerais que tiveram que ser relocadas para a construção de barragens. É assim reterritorializada uma antiga geografia, um acúmulo no mesmo lugar de décadas de histórias de desorientação e desidentificação.
16/09/2005 [FELIZ ANIVERSÁRIO]
Gostaria de desenhar a espacialidade do número 40. Os números, ao contrário de meras abstrações, são, para nós, geradores de espaço. Com certeza esse aspecto da paisagem vivida não é documentado no localgrama vertical. Localgrama do número 40: térreo, 6° andar, 7° andar, 8° andar, 9° andar, 12° andar, 14° andar, a própria deslocalização. E eu: o lado de fora, o imenso fora. Sou reconhecida pela Cemig através do identificador 2.876.959-4.
17/09/2005 [COPINHA]
O SUPRIMENTO, embalagem de papel carimbado com a quantidade de calorias que contém, era dissipado pelo sistema energético da COPINHA para o consumo em 5 versões: 83, 100, 115, 152 e 228 Kcal. De broinhas de fubá a biscoitos de amendoim, passando por palavras arrependidas, as quilocalorias recebidas, perdidas ou bem empregadas nem sempre são voluntárias.