OCIDENTE de Nydia Negromonte

Em latim, enquanto oriens significa sol nascente e guarda a ideia de tornar-se visível ou originar-se, occidens é o sol poente, a queda, a perda. Se o oriente é iluminador, no ocidente anoitece, lugar do apagamento. Complementares, oriente e ocidente são binários geográficos que dão ritmo ao espaço-tempo da vida. Assim, aprendemos que o oriente orienta e notamos que o ocidente oxida a vista em lusco-fusco. A exposição OCIDENTE de Nydia Negromonte instala precisamente essa experiência do lusco-fusco: o que a vista não alcança no ato do declínio é recolhido, estudado, mesurado e posto a trabalhar num novo laboratório de sensibilidades.

Na exposição, as táticas de orientação e desorientação no espaço podem ser vividas entre trabalhos que encarnam em seus corpos próprios a passagem inelutável do tempo. Esses trabalhos coreografam a fragilidade dos materiais vivos e testemunham o delírio dos materiais mortos. Aqui, oriente e ocidente por vezes trocam de lugar, o fim tornando-se vetor de possibilidades e o começo aparecendo como uma promissora decadência.

Para Nydia, a microscopia do cotidiano é justamente o palco de uma série de observações participantes que geram gestos, ações e processos que, por sua vez, podem vir a ser congelados, através de várias estratégias imagéticas, para que durem por mais tempo em nossa memória. Os atos da artista interferem nos objetos encontrados no cotidiano mumificando-os e desmumificando-os, soprando-lhes nova vida ou interrompendo o seu tempo natural. O fio da memória é assim desfeito e redesenhado.

Podemos notar que a imagem é peça importante nesse novo laboratório criado, é o reagente de momentos fugazes. Um diálogo inquisidor com o mundo-imagem de que falava Susan Sontag, no qual a realidade se define a partir do registro das imagens, “substitutas cobiçadas da experiência autêntica”. Segundo Sontag, a imagem fotográfica, com o seu imperativo de “máscara fúnebre” da realidade, formaria um “interminável dossiê” que comporia as memórias coletivas.

Em OCIDENTE, a memória fotográfica é matéria-prima que pode ser reconstruída, que pode sofrer interferências, que deve ser recongelada através de uma nova aderência matérica. A matéria – camada de inscrição textual, desenho de barro ou de papel de arroz – luta por editar as imagens, esse arsenal mnemônico sempre tão poroso aos nossos vastos desejos. Em vez da imagem como documento, somos apresentados à imagem como artefato da memória, fábula reescrita, edição plástica. Somos protagonistas em vez de reféns do mundo-imagem discutido por Sontag. As fotografias exibidas são um construto elástico que encarna duas camadas de congelamento: uma prévia, ótica, e outra atual, tátil, a sua nova máscara discursiva, aquela que transforma em vez de representar.

Como uma segunda estratégia imagética para o congelamento de processos nascidos do cotidiano, nos é apresentado também um conjunto fotográfico seriado que captura instantes da morte-vida de formas tão familiares quanto estranhas. Frutas e legumes posam para a fotografia no ínterim de sua transformação, seres híbridos à procura de um desenho possível. São registros realizados em estúdio, deliberadamente apartados do seu mundo cotidiano originário e, com o clima da objetividade de um laboratório asséptico, negociam a sua singularidade classificatória num conjunto inesgotável.

No seu percurso imagético, OCIDENTE nos surpreende com a presença súbita de objetos derivados das imagens ou que com elas travam um diálogo de reciprocidades. São flagrantes de corpos que se situam fantasmagoricamente entre a experiência fugaz e a escultura. São encarnações dos processos de tensão entre a visibilidade e a perda, entre o território do dia a dia e a eternidade atópica, entre o nascente e o poente. Operações matemáticas gravadas em mármore, covas perfuradas numa superfície de algodão, frascos de água fervente modelando formas e legumes esfaqueados fundidos em bronze dão concretude sutil à experiência de orientação e desorientação proposta por OCIDENTE. E, nesse horizonte estético, podemos avistar finalmente o planejamento de um cotidiano ao mesmo tempo trágico e prospectivo, pueril e heroico, íntimo e universal.

Escrito por Renata Marquez Em 2014